O Acompanhante Terapêutico na Psicologia 25/05/2019 Psicologia e Análise do Comportamento O Acompanhante Terapêutico na Psicologia Compartilhar:

Autor: Yuri Lelis (CRP 08-26556)

O acompanhamento terapêutico como trabalho surgiu na Argentina na década de 1960, como uma alternativa às práticas terapêuticas clássicas. Essa atividade foi endossada pelos movimentos antimanicomiais que ganharam força na Europa nas décadas de 1950 e 1960 (Londero & Pacheco, 2006), e que tinham como objetivo reestruturar a atenção à saúde mental (diminuindo o papel da internação psiquiátrica como principal forma de intervenção, e focando em procedimentos que visassem à integração do paciente à comunidade).

Considerando as premissas da Reforma Psiquiátrica, o acompanhante terapêutico apareceu como uma forma de promover a inclusão social, e prevenir a piora gradual da doença, diminuindo a autonomia do paciente (processo conhecido como cronificação) e a institucionalização (a permanência continuada em instituições de saúde mental) (Carniel & Pedrão, 2010). No Brasil, o início desse tipo de atuação começou nas comunidades terapêuticas, nas quais os ATs - geralmente jovens universitários do curso de enfermagem - promoviam atividades cotidianas e recreativas, e posteriormente, com a diminuição das comunidades terapêuticas, passaram a atuar no contexto residencial dos pacientes, entrando em contato com o cotidiano e universos familiares (Londero & Pacheco, 2006).

A definição de Acompanhante Terapêutico encontra diversas propostas na literatura da saúde mental e da psicologia clínica. Dentro da Análise do Comportamento, o AT é definido “ora como o profissional que trabalha no ambiente onde as contingências mantenedoras dos comportamentos a serem alterados operam, ora como o auxiliar de um terapeuta comportamental ou de um psiquiatra ou, ainda, de uma equipe multidisciplinar” (Guerrelas, 2007, p. 34). Ou seja, o AT pode ser:

  • o profissional cuja atuação está diretamente e unicamente relacionada com o contexto natural do cliente (em casa, no trabalho, na escola, etc);
  • uma parte de um processo clínico que é baseado em consultório, como na obtenção de dados por meio de observação direta a serem utilizados na terapia em consultório;
  • uma extensão da intervenção.

ÁREAS DE ATUAÇÃO

Apesar de, lá atrás, o trabalho do AT ter se iniciado com pacientes psiquiátricos (geralmente com quadros relacionados à esquizofrenia), o tratamento de diversas outras queixas e diagnósticos pode se beneficiar desse tipo de intervenção. Em quadros relacionados à ansiedade, como fobia social ou fobia específica, o AT pode intervir, por exemplo, como ferramenta para promover o enfrentamento de situações ansiogênicas, fazer treinamento de habilidades sociais, ou então servir como modelo comportamental.

Em casos de dependência química, por exemplo, o AT pode atuar como um facilitador da instalação e manutenção da abstinência. Benvenuti (2007), ao comentar como processos de condicionamento respondente participam dos fenômenos da tolerância e recaída em casos de dependência química, indica duas formas pelas quais o atendimento psicológico em ambiente natural pode ser importante nesses casos. A primeira delas é identificando estímulos eliciadores: com base no processo de condicionamento respondente, alguns estímulos relacionados com situações de uso da droga de abuso podem favorecer a ocorrência de síndrome de abstinência, aumentando a probabilidade de recaída. Sabendo disso, o AT que atende o dependente químico em ambiente natural pode, solicitando o relato direto do cliente em certas situações, auxiliá-lo a identificar quais contextos de risco para recaída que devem ser evitados. A segunda é lidando com estímulos eliciadores: nem todos os estímulos eliciadores de síndrome de abstinência podem ser evitados, necessitando que o cliente aprenda a se expor a esses estímulos sem que posteriormente faça uso da droga, extinguindo a relação que favorece o risco de recaída.

O trabalho do AT também pode ser importante em procedimentos de exposição. Com o objetivo de relatar o tratamento de pacientes com Transtorno Dismórfico Corporal (TDC), que poderíamos definir como uma insatisfação fora do normal com a aparência, Marks e Mishan (1988) descrevem as intervenções de exposição utilizadas em cinco casos. Em linhas gerais, cada um dos pacientes era encorajado a se expor a situações que evitava por conta da dismorfofobia que apresentava. Por exemplo: se olhar no espelho, sair com roupas que não tampassem todo corpo ou frequentar locais cheios de pessoas. Em três dos cinco casos descritos no artigo, foram utilizados “co-terapeutas” para fazer o procedimento de exposição fora do ambulatório, sendo que em dois casos os co-terapeutas eram familiares do paciente. De acordo com os autores, a exposição em ambiente natural foi efetiva em reduzir a ansiedade dos pacientes e diminuir a esquiva de situações sociais.

Outros exemplos de atuação do AT são o de facilitador da retomada das atividades de rotina e de recreação que tiveram a frequência reduzida após a instalação de um quadro difícil, a intervenção para redução de comportamentos problema em casos de autismo e a neuroreabilitação em casos de demência.

QUEM PODE SER AT?

Geralmente, ATs são alunos universitários, que podem cobrar um valor mais acessível e têm mais horários livres do que em comparação com um psicólogo formado. Para o psicólogo em formação o trabalho como AT é uma ótima forma de aprender mais sobre a atuação clínica, e de iniciar a inserção no mercado de trabalho. Isso porque, quando o trabalho é uma intervenção auxiliar da atuação de um psicólogo clínico, ou de uma equipe multidisciplinar, o AT é supervisionado por um profissional experiente. É importante lembrar que, como parte do trabalho do psicólogo, a atuação do AT deve seguir as mesmas indicações do Código de Ética do Profissional de Psicologia.

Nessa experiência, o aluno universitário aprende duas vezes: 1) na teoria, enquanto participa das supervisões e lê o material de referência indicado, e 2) na prática, quando faz a intervenção e observa os processos clínicos acontecerem na relação com o cliente acompanhado. Posteriormente, caso tenha interesse em seguir a carreira de psicólogo clínico, a experiência como AT será um diferencial importante na prática profissional.

QUERO MAIS CONTEÙDO

Curso de Acompanhante Terapêutico – Instituto Continuum: Um curso presencial ou via web com 12 horas sobre o tema, com teoria e exemplos práticos de atuação em diversas áreas.

Novos Andarilhos do Bem: Caminhos do Acompanhamento Terapêutico - Luciana Chaui-Berlinck (2018): a partir de um estudo do historiador italiano Carlo Ginzburg sobre os benandanti, os andarilhos do bem que, durante a Idade Média, protegiam os sofredores psíquicos, Luciana Chaui-Berlinck propõe aqui uma análise do trabalho dos andarilhos do bem contemporâneos: os acompanhantes terapêuticos, que cuidam de sofredores psíquicos e combatem o mal da discriminação social, da exclusão e dos preconceitos que perseguem os chamados “loucos”.

Acompanhamento Terapêutico - Teoria e Técnica na Terapia Comportamental e Cognitivo-comportamental – Igor Londero (Org.) (2010): Destinado a estudante e profissionais da área da saúde mental que se interessam por intervenções no ambiente natural do cliente, este livro tem como objetivo apresentar uma organização sobre o tema Acompanhamento Terapêutico (AT) na terapia comportamental e cognitivo comportamental, tendo em vista a escassez de obras na área e a crescente procura por esta modalidade terapêutica.

A Clinica de Portas Abertas: Experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática em ambiente extraconsultório - Denis Roberto Zamignani, Roberta Kovac e Joana Singer Vermes (Orgs.) (2007): material de reflexão e apoio para a prática do acompanhamento terapêutico e do atendimento clínico em ambiente extraconsultório. Referência para quem está começando a trabalhar como acompanhante terapêutico e para o clínico que procura expandir sua prática para além das quatro paredes do consultório. Registra o trabalho desenvolvido no Brasil por analistas do comportamento a partir da prática clínica no setting extraconsultório, e propõe o diálogo com outras equipes clínicas.


Referências

Benvenuti, M. F. (2007). Uso de drogas, recaída e o papel do condicionamento respondente: possibilidades do trabalho do psicólogo em ambiente natural. . In: A clínica de portas abertas: experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório. (Orgs. Zamignani, D. R., Kovac, R. & Vermes, J. S.). Santo André: Esetec.

Carniel, A. C. D., & Pedrão, L. J. (2010). Contribuições do acompanhamento terapêutico na assistência ao portador de transtorno mental. Revista Eletrônica de Enfermagem, 12(1).

Guerrelas, F. (2007). Quem é o acompanhante terapêutico: história e caracterização. In: A clínica de portas abertas: experiências e fundamentação do acompanhamento terapêutico e da prática clínica em ambiente extraconsultório. (Orgs. Zamignani, D. R., Kovac, R. & Vermes, J. S.). Santo André: Esetec.

Londero, I., & Barbosa Pacheco, J. T. (2006). Por que encaminhar ao acompanhante terapêutico? Uma discussão considerando a perspectiva de psicólogos e psiquiatras. Psicologia em estudo, 11(2).

Marks, I., & Mishan, J. (1988). Dysmorphophobic avoidance with disturbed bodily perception: a pilot study of exposure therapy. The British journal of psychiatry, 152(5), 674-678.