Blog
Categorias +A contribuição da psicologia comportamental para o tratamento da fibromialgia
Autor: Yuri Lelis (CRP 08-26556)
A fibromialgia é uma síndrome caracterizada por dor músculo-esquelética generalizada, associada a sintomas de fadiga, alterações cognitivas e emocionais, além de produzir prejuízos funcionais, como afastamento das atividades profissionais, recreativas e sociais. A diferença entre a fibromialgia e alguns outros diagnósticos relacionados à dor, é que no caso da fibromialgia a dor não é diretamente atribuída a uma lesão de um tecido ou a uma alteração do sistema nervoso. Nesse caso, não existem dados conclusivos que indiquem uma única causa para a doença, de forma que os sintomas e prejuízos estão relacionados com fatores biológicos, psicológicos e sociais. Um diagnóstico difícil e que acomete cerca de 5% da população mundial.
A característica multideterminada da doença indica que o tratamento também não é exclusivo de apenas uma área da saúde. Profissionais de medicina, nutrição, fisioterapia, educação física, e psicologia podem contribuir no tratamento, visando a melhora do quadro e da qualidade de vida do paciente. Sendo assim, sempre que possível é importante que o tratamento seja multidisciplinar, com cada profissional contribuindo com sua área de conhecimento e intervenção.
Partindo desse princípio, esse texto tem como objetivo responder a pergunta: qual a contribuição da psicologia comportamental para o tratamento da fibromialgia? O tratamento parte da premissa, corroborada por diversos estudos, de que a maneira que a pessoa reage à dor é o que determina a amplitude da sensação de dor e o prejuízo social e emocional decorrente dela. De acordo com Williams (2003), "dois indivíduos podem experienciar eventos evocadores de dor idênticos e ainda assim experienciar e responder à dor de maneiras marcadamente diferentes" (p. 650). A partir dessa ideia, a atuação da psicologia vai além de simplesmente tratar os problemas de humor (depressão e ansiedade) que decorrem do quadro, mas também atua no manejo dos fatores psicológicos e sociais relacionados à percepção e manutenção da dor.
O tratamento é complexo, e qualquer descrição breve indicada aqui será apenas um indicativo de pontos importantes a serem considerados na hora da intervenção. Aqui focarei em dois aspectos que eu considero essenciais nesses casos, sendo eles a aceitação da dor e o enfrentamento das condições funcionais e sociais. Os dois estão de certa forma interligados, mas a terapia não se resume a eles.
A necessidade de aceitação da dor se baseia na constatação de que certas tentativas de controle da dor crônica podem produzir mais dor e aumentar o prejuízo funcional e social. O efeito mais óbvio da tentativa de controle da dor é o de que posturas físicas rígidas tendem a produzir fadiga muscular que resulta em mais dor. De um ponto de vista mais generalizado, a tentativa crescente de controle produz um cotidiano cada vez mais relacionado com essa tentativa de fugir da dor, enquanto todos os outros comportamentos mais saudáveis ficam em segundo plano. O resultado é uma vida envolta em dor e em tentativas improdutivas de controle.
Além disso, se o parâmetro de sucesso de alguém com fibromialgia for o quanto consegue controlar a dor, a chance de frustração é grande, resultando em aumento dos sinais de depressão e ansiedade. Por outro lado, a aceitação da dor como ela se apresenta, e o abandono das tentativas improdutivas de controlá-la mudam o caráter aversivo e incapacitante da dor, permitindo que o paciente direcione seus esforços para uma vida mais ativa apesar da dor (Vanderberghe, 2005).
A convivência com a fibromialgia pode fazer com que o paciente se afaste das atividades profissionais, acadêmicas e sociais. Essa característica faz com que os danos sociais e emocionais aumentem cada vez mais. Assim, a premissa básica na intervenção desse fator é que não adianta o paciente esperar que a dor cesse ou melhore para então se expor a esses contextos, o processo de melhore depende justamente dessa exposição. A evitação de expor a esses contextos faz com que cada vez mais situações sejam relacionadas com a dor. Permitir que os obstáculos da dor afastem a pessoa de seus valores e objetivos está diretamente direcionado com a disfunção crônica e a perda da qualidade de vida (Dahl et. al, 2005). Partindo disso, parte do tratamento é promover o retorno às atividades que agora são evitadas por conta da dor.
As intervenções de psicoterapia comportamental baseada em aceitação estão entre os tratamentos mais eficazes para a fibromialgia. Considerando o caráter crônico da doença, o objetivo das intervenções não é fazer com que a dor desapareça(o que não seria possível), mas sim recuperar a funcionalidade da pessoa, aumentando a qualidade de vida e a participação social apesar da dor. Para avaliar a eficácia desse tipo de intervenção, McCraken, Sato e Taylor (2013), compararam a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) com a terapia usual para fibromialgia (TCU). As intervenções foram feitas por terapia em grupo, com um total de 73 participantes. Imediatamente após o tratamento, em relação ao TAU, os participantes do ACT demonstraram menor depressão e maiores avaliações de melhora geral. Em um seguimento de 3 meses, novamente em relação ao TAU, aqueles tratados com ACT demonstraram menor incapacidade, menos depressão e aceitação da dor significativamente maior.
Quer saber mais sobre o tema?
Conheça o curso Fibromialgia: Abordagem Médica e Psicológica
Referências
Dahl, J., Luciano, C., Wilson, K., & Hayes, S. (2005). Acceptance and commitment therapy for chronic pain. New Harbinger Publications.
Williams, D. A. (2003). Psychological and behavioural therapies in fibromyalgia and related syndromes. Best practice & research clinical Rheumatology, 17(4), 649-665.
Vandenberghe, L. (2005). Abordagens comportamentais para a dor crônica. Psicologia: reflexão e Crítica, 18(1), 47-54.